Cansado da obviedade da ostentação, consumidor fortalece tendência do “consumo discreto”

Sem ingenuidade aqui. A ostentação não deixou e nem deixará de existir. Mas para muitos, a estética associada a ela está saturada. Em resposta, uma corrente de consumo tem se fortalecido. O chamado Consumo Discreto prevê sutileza na forma como a riqueza é mostrada ao mundo e nasce de mãos dadas ao consumo consciente — na maioria dos casos, não por responsabilidade social desse consumidor, mas porque pega mal ir na direção oposta (é o “green guilt” ou “eco guilt”, que fala da sensação de culpa por não estar agindo de maneira ambientalmente responsável, ao, por exemplo, escolher produtos que não são sustentáveis).

Nessa corrente, as escolhas priorizam durabilidade e atemporalidade, em contraposição a modismos passageiros. Por consequência, são decisões inclinadas ao que oferece qualidade e funcionalidade.

O movimento ganha força especialmente entre os millennials e geração Z que, em partes, estão mais propensos a gastar dinheiro em experiências e bem-estar do que em bens materiais. A preferência por produtos e marcas mais discretos pode ser vista como uma forma de se diferenciar da estética óbvia da ostentação e afirmar uma identidade pessoal que valorize a simplicidade e a sofisticação, sem precisar escancarar isso em narrativas visuais plastificadas.

Marcas aproveitam o movimento

Norte-americana Everlane é uma das líderes no movimento do Consumo Discreto.

Marcas grandes já estão se adaptando à tendência, oferecendo produtos e serviços que atendem às demandas do consumidor discreto. A Everlane, marca de moda, trouxe a transparência e a sustentabilidade como princípios de sua cadeia de produção. A empresa aposta em roupas básicas, de qualidade e com preços acessíveis, sem usar logos ou estampas chamativas.

Outra marca que tem conquistado adeptos do consumo discreto é a Glossier, que oferece uma linha de maquiagem minimalista e despretenciosa, com embalagens elegantes e discretas. Já no setor de cuidados com a pele, a norte-americana Drunk Elephant é um exemplo de como o consumo discreto pode ir além da moda. A marca preza por simplicidade nos produtos e transparência na comunicação, evitando promessas vazias e investindo em fórmulas com ingredientes naturais e orgânicos.

Entre as marcas de luxo, a Gucci tem feito esforços para reduzir a visibilidade de seu icônico logotipo nas bolsas e roupas, além de lançar uma linha de produtos com materiais sustentáveis. A marca de moda italiana também fez parcerias com artistas e designers para criar coleções mais artísticas e únicas, em vez de lançar produtos em massa.

A Bottega Veneta, com direção criativa de Daniel Lee, tem apresentado uma abordagem minimalista, com ênfase na qualidade dos materiais e na construção das peças, em vez de estampas ou logotipos extravagantes. Na mesma linha, a Celine lançou uma bolsa sem logotipo ou identificação.

São marcas que ainda vendem produtos caros, mas agora a discrição é a palavra de ordem. Ao invés de excessos e exuberância, as marcas apostam na qualidade e no design sofisticado para atrair os consumidores que buscam uma estética mais despretensiosa.

Exemplos brasileiros

Brasileira Yourban responde à tendência já em seu DNA.

No Brasil, há diversas marcas adotando práticas comerciais mais responsáveis. A “Simple Organic”, por exemplo, é conhecida por seus cosméticos com ingredientes naturais e orgânicos em embalagens recicláveis e biodegradáveis.

Já no universo da moda, a Yourban é outro ótimo exemplo de como o Consumo Discreto pode ser aplicado no mercado nacional. Com um posicionamento claro de “slow fashion”, a marca preza por uma produção consciente e sustentável, com peças duráveis e atemporais. O design minimalista e as cores neutras são um reflexo desse posicionamento, que evidencia a simplicidade, personalidade e elegância sem apelar para o óbvio. Além disso, utiliza tecidos sustentáveis e processos produtivos que minimizam o impacto ambiental.

Na comunicação, tudo isso precisa ser refletido. Em 2020, quando assinamos o planejamento do posicionamento digital da Yourban, pesquisamos tendências de consumo sustentável para traçar estratégias alinhadas ao público de interesse da marca. Também mapeamos e analisamos o benchmarking da empresa e criamos mapas de empatia do consumidor. A partir disso, criamos um storytelling pautado pelo essencialismo e estruturamos o plano editorial de conteúdos da marca.

Essencialismo foi ponto de partida da construção narrativa.

Key visual e escolhas editoriais para Instagram da marca foram pautados pelo conceito narrativo definido no planejamento, assinado pela VOZ Colab em 2020.

Ao apostar no Consumo Discreto já em seu DNA empresarial, garantindo que a preocupação genuína com a sustentabilidade esteja presente desde a cadeia de produção, a Yourban consegue manter uma comunicação que reflete verdade e é capaz de estebelecer laços emocionais com esse novo consumidor. Na imagem de marca, o resultado é fortelecimento, relevância sociocultural e credibilidade.

Terreno fértil para o greenwashing

Apesar da crescente demanda por um consumo mais consciente, esse pode ser um terreno fértil para marcas que tentam capitalizar em cima das cobranças de responsabilidade ambiental. O termo “greenwashing” é utilizado para descrever empresas que utilizam táticas de marketing para se promoverem como sustentáveis, sem de fato implementar práticas ambientalmente responsáveis em suas cadeias produtivas.

Não há marca que sustente posicionamentos que não passam de discursos. Eles devem nascer no negócio, para depois serem comunicados por narrativas estratégicas.

melissa resch, diretora criativa da voz colab e especialista em imagem de marca

Tendências opostas coexistem

Não existe mais uma única tendência que dita os rumos do consumo e comportamento. Vivemos em um momento em que movimentos opostos coexistem e, muitas vezes, se sobrepõem. Existe, sim, uma corrente em direção a um estilo de vida mais sustentável e consciente, que prioriza marcas éticas, práticas comerciais responsáveis e consumo sustentável. Ao mesmo tempo, há uma tendência à ostentação, ao passo em que o mundo produz mais e mais milionários. É tão verdade que a geração Z é mais consciente e prefere roupas mais discretas quanto é verdade que acabamos de sair de uma pandemia e essa geração, que só agora está podendo ir para a rua de verdade, quer o máximo de expressão criativa em tudo que usa.

Um movimento não anula o outro. É por isso que, ao falar deles, é preciso cuidado: tendências não são uniformes e não se aplicam a todas as pessoas. Nossos gostos, nossos valores, as pessoas com as quais convivemos e os lugares por onde circulamos influenciam o que e como consumimos. E na hora de aplicar essas tendências na criação ou gestão de uma marca, é preciso muita capacidade de contextualização.

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